Uma História para ser Contada
Irlei Wiesel
10/03/2008

As programações registradas no nosso inconsciente determinam fortemente o nosso sucesso, bem como o contrário.
Lembro-me bem daquelas tardes quentes de verão criança, onde era intensa a necessidade de viver grandes aventuras. Quando os dias quentes eram regados por chuvas refrescantes, eu simplesmente delirava. Meu objetivo era tão simples, tão normal, mas era, ao mesmo tempo, utopia.
Tudo que eu queria era misturar-me aos meus primos que há tempo já corriam na chuva, deslizando com carrinhos de lomba ladeira abaixo. Que barato! O mundo resumido a chuva e barro. Eu ainda criança, queria estar do lado de fora daquela janela. Algo me impedia. Não era o meu desejo, a minha vontade, nem ao menos o meu grau de coragem. Era simplesmente a programação desajeitada, ultrapassada da minha mãe. Dizia ela:
- Filha, correr na chuva faz mal. Você irá adoecer! Seus primos podem, pois eles são mais fortes do que você.
Eu, tão ingênua e confiante nos argumentos da minha mãe, só encontrava uma solução, olhar pela janela molhada de chuva, e chorar em silêncio.
Lembro que eu acreditava na ausência da minha força. A cada risada que vinha dos meus primos embarrados, mais me desprendia de mim mesma. Refiro-me a minha essência, a minha capacidade pessoal. A cada risada de deboche que ecoava naquelas tardes de verão, mais eu me convencia que a força estava com os outros e a fraqueza, a falta de resistência estavam comigo. Assim eu cresci, olhando invernos e verões, por detrás daquela janela. Às vezes, minha mãe dizia que estava muito frio para ir lá fora, outras, que estava calor demais, para correr debaixo da chuva.
De fato, foi difícil sufocar o meu desejo e a minha vontade!
Cresci fisicamente, afinal, como dizia Cazuza “O tempo não pára, não pára não, não pára”. Mas confesso a vocês que o meu tempo emocional parou lá. Minha memória ficou lá. O inconsciente é atemporal. Por isso, sei que meu inconsciente me mantém lá, naquela janela, chorando a minha triste condição.
No entanto, a programação mental que recebi, regada com muito amor, ternura e proteção em excesso, está com o seu tempo contado. Sim, é isso aí. Estou em pleno trabalho de recuperação das falhas dessa programação.
O destino está dando um grande empurrão rumo ao meu novo empreendimento. Sabem por quê?
Porque hoje moro numa casa, com pátio e muita terra, dentro de um condomínio fechado, com poucos moradores.
A chuva, quando se mora em uma casa, cai pertinho da gente, não é mesmo?
Pois é, na primeira chuva de verão, eu estava apreciando a cena pela janela de casa. Parecia imóvel e com meus pensamentos bem distantes. Fui surpreendida pela minha filha, sacudindo minha mão, puxando-me para fora de casa. Ela não me puxava rumo ao pátio e sim, para frente de casa. Ela, com três anos tomava atitudes, impulsionando a mãe para frente, para longe. Sem ela saber, estava empurrando-me para muito além dos meus próprios limites. Resistente, nada exclamei. Resistente, nada argumentei. Resistente, apenas me deixei levar. Era o meu passado e o meu presente, reconstruindo o caminho. Era minha filha a me empurrar, ainda criança, para o desconhecido e o tão sonhado banho de chuva. A imagem da minha mãe confundia-se com os lindos olhos azuis convidativos da minha filha.
Pensei, porque minha mãe, com seus lindos olhos azuis, não fez o mesmo comigo, quando eu tinha três anos?
Acho que, como num passe de mágica, sorri, gargalhei, cantarolei e me joguei de frente no meu sonho de infância. A minha surpresa foi maior, pois quando cheguei na rua, em frente a minha casa, olhei em volta, encontrei muitos vizinhos na mesma situação. Ou seja, filhos, na faixa de três a cinco anos, empurrando os pais para a vida!
As programações podem limitar. A motivação e o desejo ardente de mudar são os grandes segredos para harmonia de nossas memórias emocionais e, para que sigamos em frente, sem esperarmos que, algum dia, alguém nos empurre para a felicidade! Essa tarefa é nossa, pois, afinal viver é reconstruir e realinhar nossa trajetória.

Irlei Wiesel
Psicoterapeuta
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