Sonhos Arquetípicos em Portadores de Deficiência Visual
			Por Jorge Antônio Monteiro de Lima
			12/03/2007
			
			1) Apresentação
			
			Falar de sonhos de deficientes visuais é algo que tem gerado muita 
			polêmica no mundo acadêmico. Embora existam inúmeros estudos acerca 
			das deficiências, poucos tem abordado tais questões com 
			profundidade.
			
			Como formam-se as imagens e a percepção visual de alguém que jamais 
			enxergou?
			
			Como dá se o mecanismo de sonhar de um deficiente visual?
			
			As imagens que nosso cérebro forma em nosso sonho são ligadas 
			exclusivamente a um aprendizado?
			
			Só podemos sonhar com aquilo que vemos?
			
			Este estudo utilizou como metodologia a clínica psicoterapêutica de 
			base analítica. O material foi coletado por meio de entrevistas, 
			feitas com deficientes visuais de todo país na clínica, pela 
			Internet, em debates de rádio em que portadores de deficiência 
			contavam sua experiência vivência com a produção onírica.
			
			Ao longo deste estudo utilizaremos a palavra deficiente para 
			exprimir uma realidade vivência de uma pessoa que por motivos 
			diversos perde uma capacidade associada a sua percepção, 
			motricidade, e ou comunicação. Embora alguns autores utilizem o 
			termo " portador de necessidades especiais" esta terminologia não 
			abarca a realidade que impõe se pela vida.
			
			O termo deficiente surge etimologicamente do Latim - "efficcere" e 
			define-se pelo" ato de provocar resultados". O resultado que então 
			propomos é o da unificação necessária entre as polaridades da vida- 
			entre a saúde e a doença- uma síntese que faz-se necessária para a 
			possibilidade de harmonização psíquica de um deficiente. Este terá 
			de apreender a conviver com sua " patologia" para poder tornar-se um 
			ser produtivo e sociável.
			
			A busca de um resultado é o que exprime- se na realidade de uma 
			deficiência, que traz em si um enigma como o que proposto pela 
			Esfinge ao rei Édipo, na mitologia Tebana de Sófocles (Teatrólogo 
			grego 496 A.C.) : " Decifra me ou devoro-te..."
			
			A realidade psíquica de um portador de uma deficiência tem suas 
			particularidades. Os aspectos individuais da história de vida, o 
			desenvolvimento do corpo físico e sua adaptação, a formação da 
			personalidade, as influências do meio em que vive em sua criação 
			aglutinam- se em sua psiqué. Cada experiência vivenciada de forma 
			objetiva e ou subjetiva tempera- se de uma afetividade peculiar e 
			única.
			
			Contudo a experiência clínica em psicoterapia, no convívio com a dor 
			e o sofrimento do ser humano, traz nos uma outra realidade 
			adicional. Frisamos que esta realidade que surge não exclui as 
			demais, pelo contrário soma- se a estas. Alem dos componentes 
			pessoais, e sociais observamos componentes universais , elementos 
			genéricos que estão presentes a realidade dos deficientes, com 
			componentes que transcendem tempo e espaço, credos e dogmas, 
			culturas e sociedades.
			
			Elementos que pertencem a espécie humana e apresentam-se em todas as 
			partes do planeta.
			
			São o postulado teórico que C. G. Jung, Psiquiatra Suíço , definiu 
			como Arquétipo- "... imagens universais, temas bem definidos que 
			reaparecem sempre e por toda parte. Encontramos estes mesmos temas 
			nas fantasias, nos sonhos, nas idéias delirantes, e ilusões dos 
			indivíduos que vivem atualmente.
			
			A estas imagens e correspondências típicas denomino representações 
			arquetípicas. Quanto mais nítidas, mais são acompanhadas de 
			tonalidades afetivas vividas...elas nos impressionam, nos 
			influenciam, nos fascinam. Têm sua origem no arquétipo que, em si 
			mesmo, escapa à representação. Forma preexistente e inconsciente que 
			parece fazer parte da estrutura psíquica herdada e pode, portanto, 
			manifestar-se espontaneamente sempre e por toda parte..." CW XVI, 
			1958 PPg. 323
			
			Estes arquétipos mostram nos de forma prática que alem dos conteúdos 
			individuais, da dor e sofrimento particular de cada deficiente 
			existem elementos comuns que repetem - se de forma independente à 
			história de vida. Apontaremos na seqüência deste trabalho alguns 
			destes elementos.
			
			Nosso alvo de estudos são os deficientes visuais de nascimento, ou 
			seja as pessoas que nasceram cegas. Como terminologia utilizaremos o 
			termo D.V. Este estudo é fruto de mais de 10 anos de pesquisas 
			científicas na área, vivências, observação clínica de pacientes 
			portadores de deficiência visual, somadas a nossa própria 
			experiência de vida.
			
			2) Uma questão de percepção
			
			"A mais de três anos atrás, tive um sonho que iria morar no Setor 
			Urias Magalhães ( Goiânia) em uma casa, cuja a rua tinha vários 
			meninos jogando bola, esse sonho se tornou realidade! Comprei a casa 
			e do mesmo jeito do sonho, tinha crianças jogando bola, isso foi um 
			aviso de Deus? Ou os sonhos tem um pouco de realidade? Já tive 
			vários sonhos que acabaram se tornando realidade, possível isso?"
			
			Carlindo, Goiânia GO
			
			A ciência moderna, em especial a psicologia do desenvolvimento, tem 
			deparado se com uma questão prática acerca da etiologia da 
			percepção. Estudos mais novos por meio de ultra-som e ressonância 
			magnética apontam para a formação de nosso aparelho preceptivo entre 
			o 2 ou 3 mês de gestação. Neste período são formados os olhos, 
			ouvidos, nariz, boca, pele e cérebro de um feto. Estes desde seu 
			surgimento já apresentam sinais de funcionamento.
			
			Já na vida intra-uterina inicia-se por meio de movimentos repetidos 
			e repetitivos, os primeiros ensaios da memória corporal - a 
			repetição como base da aprendizagem.
			
			Este processo estender-se há por toda a vida sendo facilmente 
			observado na primeira infância. O domínio do corpo terá papel 
			fundamental na motricidade e também no desenvolvimento da 
			personalidade. Regidas pelo tempero da afetividade as experiências 
			tendem a aglutinar - se seja de forma cociente ou inconsciente em 
			nossa psique.
			
			A medida em que avançamos em idade outras formas de percepção surgem 
			e ou são elaboradas. Estas então diferenciam- se como formas de 
			maior utilidade, de acordo com cada experiência individual.
			
			Cada indivíduo então utilizará uma forma específica de percepção que 
			irá adaptar - se melhor a sua psiqué.
			
			Existe ainda algo que devemos salientar. Embora um deficiente visual 
			tenha um comprometimento de sua forma de recepção de imagens, ou 
			seja alguma região do olho e ou do nervo óptico ser afetada, 
			geralmente não apresenta comprometimentos em seu cérebro, a menos 
			que sua cegueira seja devido a alguma lesão na região cerebral. 
			Assim ele pode formar imagens por seu cérebro estar intacto. É 
			baseado neste princípio, que são investidos todos os anos milhares 
			de dólares em pesquisas em oftalmologia, buscando técnicas adaptavas 
			para reconstrução do aparelho visual, como por exemplo o "Olho 
			biônico".
			
			Quem forma as imagens não é o nosso olho mas sim o cérebro. A região 
			cerebral que forma as imagens captadas pelo olho é a região 
			conhecida por área occipital responsável pela visão (perto da nuca), 
			sendo que existem outras áreas responsáveis pela memória visual.
			
			3) A tipologia psíquica de C.G. Jung
			
			"Sonhei que estava com minha namorada e com um amigo no alto de uma 
			montanha. Esta montanha era recortada numa faixa vertical, como se 
			houvessem passado uma faca nela. Neste recorte montaram uma montanha 
			russa, e diziam que era a maior do mundo em queda livre e 
			velocidade. Sou cego e a via com perfeição. Entramos nela eu e minha 
			namorada no carrinho da montanha russa e uma voz disse: Vocês vão 
			descer. Na queda acordei assustado. Neste dia ela terminou comigo 
			para sempre."
			
			João, São Paulo SP
			
			No desenvolvimento do estudo da consciência humana Jung-1928 em sua 
			obra "Tipos Psicológicos", faz um "mapeamento" de nossa percepção 
			distinguindo tanto nossa forma de ação no mundo -as atitudes- quanto 
			nossa forma de receber e elaborar as informações -As Funções -.
			
			Esta percepção pelas funções, dá-se por dois eixos distintos um não 
			racional formado por duas funções distintas: Sensação e Intuição; e 
			outro racional formado pelas funções: Pensamento e Sentimento.
			
			Neste estudo vamos nos ater ao eixo não racional, principal 
			interesse deste trabalho que é o das funções intuição e sensação.
			
			3.1) A função sensação e intuição
			
			"O tipo sensação é em todos aspectos, o oposto ao tipo intuição. 
			Está baseado quase exclusivamente no elemento da sensação (audição, 
			paladar, olfato, visão e tato). Sua psicologia orienta-se pelo 
			instinto e pela sensação (5 sentidos). Depende, pois, totalmente dos 
			estímulos externos." CW VI prgf 224
			
			Esta função baseia-se na capacidade de percepção por meio dos 5 
			sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato). "Neste tipo as 
			determinantes prevalentes estão nos sentidos, na percepção sensível.
			
			O tipo sensação não tem o pensamento diferenciado e nem o sentimento 
			diferenciado, mas sua sensibilidade é bem desenvolvida. Como se sabe 
			este é também o caso do homem primitivo. A sensualidade instintiva 
			do primitivo conta, porem, com a contrapartida, a saber, a 
			espontaneidade do psíquico. O espiritual, as idéias, que aparecem, 
			por assim dizer. Não é ele que as produz ou as pensa, falta-lhe para 
			tanto a capacidade mas são elas que se produzem e o acometem e, 
			inclusive , se manifestam como alucinações. Esta mentalidade devemos 
			designá-la como intuitiva, pois intuição é a percepção instintiva de 
			um dado conteúdo psíquico.
			
			Enquanto a sensação, via de regra, é a função psicológica mais 
			importante do primitivo, a intuição é a função que se manifesta como 
			menos compensadora. Em grau mais elevado de civilização, onde algum 
			têm mais diferenciado, o pensamento e outros sentimentos, também há 
			muitos que tem uma intuição altamente desenvolvida e a utilizam como 
			função essencialmente determinante. Daí resulta o tipo intuitivo." 
			CW VI Prf 233.
			
			A função intuição alem de ser o oposto da função sensação é algo 
			extremamente comum ao ser humano. A intuição é uma "idéia a priori", 
			algo que nos invade e que comumente chamamos de "tino ou faro 
			comercial", e ou "instinto de mãe" ou ainda "nosso sexto sentido".
			
			3.2) Reorganização das funções
			
			No processo natural do desenvolvimento da personalidade, na dinâmica 
			da energia psíquica, observamos algumas peculiaridades quando 
			trazemos a nosso campo de estudos os D.V.s;
			
			Existe uma disfunção natural na função Sensação - a visão é afetada 
			e funciona de forma parcial e ou total. Por meio do equilíbrio 
			natural surge um movimento de compensação no qual a energia psíquica 
			que seria destinada a visão é redistribuída a outros aspectos da 
			função Sensação. Assim a percepção do D.V. passa a ser redirecionada 
			para o olfato, tato, audição e paladar; assim o que ocorre é que 
			estes outros sentidos tornam-se mais aguçados naturalmente. Contudo 
			este redirecionamento não se dá somente na função sensação, atinge 
			da mesma forma a função Intuição. Este reequilibro ocorre de forma 
			natural em um processo compensatório que é vital para o D.V.
			
			4) Afetos, complexos e arquétipos
			
			"Sonhei que estava com meu namorado fazendo amor. Ele então me 
			beijava antes de ter um orgasmo. Após fazermos amor descansamos. Ele 
			estava mais forte do que era. Ele então me disse que tinha algo a 
			fazer, que era matar um bandido. Questionei ele e ele me disse que 
			este era seu papel no mundo o de colocar ordem nas coisas que 
			estavam em desordem. Mostrou me uma espada e disse que iria cortar 
			sua cabeça e que voltaria quando houvesse acabado sua missão para 
			casar-se comigo, que esta seria sua prova de bravura."
			
			Paola
			
			Enigmas pairam sobre nossas cabeças. A existência de um lado oculto 
			sobre a realidade dos D.V.s fez ao longo de toda história da 
			humanidade com que surgissem inúmeras lendas, que repetiam-se 
			independentemente da cultura.
			
			A dinâmica citada anteriormente entre as funções não racionais, 
			justificaria uma das razões pela qual todo D.V. era chamado de 
			"Tirésias" na Grécia antiga. Este homem foi célebre adivinho Tebano, 
			arauto do destino dos Tebanos. Na mística a cegueira geralmente era 
			vista como sinônimo de clarividência, ou seja de intuição apurada.
			
			Estas representações não eram exclusivas de uma única civilização na 
			história da humanidade. Eram uma imagem universal presente em várias 
			culturas em épocas distintas. O mito Japonês lendário do Samurai 
			cego, o maior espadachim de todos os tempos é mais uma das inúmeras 
			histórias neste sentido. Nos quadrinhos da Marvel nos anos 70 surge 
			um herói cego com super poderes "O Demolidor". No cinema a 
			interpretação de Al Pacino em "Perfume de Mulher" reensaia na 
			modernidade este traço arquetípico. O super-herói capaz de 
			transcender o traço comum da humanidade. A eficiência da 
			deficiência.
			
			Este padrão arquetípico de reconhecimento do mundo através da função 
			Intuição, tempera-se de toda a história pessoal de cada D.V.; a 
			afetividade mescla-se com a constituição dos complexos postulado 
			teórico de Jung que exprime: "um conjunto de idéias carregadas 
			afetivamente" - isto resulta que embora o D.V. tenha contato intenso 
			com a função Intuição, nem sempre terá pleno domínio da mesma. este 
			domínio dependerá de aprendizagem, da constituição de sua 
			afetividade, dos seus complexos, do meio em que está inserido.
			
			Só pelo fato de não ser uma função racional, o contato com a Função 
			Intuição é difícil. Torna- se algo mistificado, de difícil 
			compreensão, vivência e subjetivo. Uma experiência de "pele", que 
			impõe- se à nossa consciência de forma pessoal e única.
			
			Esta subjetividade poderá fazer com que surjam dificuldades para o 
			convívio com a Função Intuição, de expressar e comunicar, de dar 
			vazão a este tipo de percepção, e de a racionalizar.
			
			5) Os sonhos dos portadores de deficiência visual - uma 
			possibilidade de percepção do mundo-
			
			O sono é um mecanismo psíquico fisiológico. Envolvem toda atividade 
			cerebral, nosso sistema nervoso, que entra em processo de 
			relaxamento que visa a reposição de energias, produção de hormônios 
			metabolismo de substancias. O sono é um dos principais agentes 
			reparadores e reguladores do sistema nervoso e de todo organismo.
			
			Inúmeras doenças surgem e ou são agravadas devido a distúrbios do 
			sono como a depressão, a síndrome de pânico.
			
			O sono e o sonho também regulam nossa afetividade, marcam-se por 
			trazerem reequilibro de nosso sistema nervoso, de nossas emoções. 
			Nos sonhos estes afetos ressurgem e marcam sua presença de forma 
			pré-consciente.
			
			Após inúmeras fases de relaxamento surge então a produção onírica 
			que faz o mesmo processo reparador com nossa psique. O sonho dentre 
			outros atributos reequilibra nossa psique: afetos e razão; 
			consciência e inconsciente; instintos e complexos. tem em si um 
			potencial de síntese, de mediação, de reorganização e de 
			aprendizagem. Por ele podemos entrar em contato com toda nossa 
			personalidade.
			
			Nos subitens abaixo colocamos alguns exemplos de sonhos de 
			deficientes visuais coletados em todo país: pela Internet, em 
			depoimentos gravados ao vivo na Rádio K do Brasil (Am 730, Goiânia, 
			no programa Kadmous alassal), e em nosso consultório particular.
			
			Catalogamos 2 tipos básicos de sonhos, com relação a dinâmica nos 
			Sonhos de deficientes visuais de nascimento:
			
			5.1) Sonho concreto e sinestésico
			
			"Eu sonho todos os dias com coisas que ocorrem em minha vida. Ontem 
			fui na casa de uma amiga na Vila Ida, que me deu bananas para comer. 
			Eu as provei e estavam deliciosas. No sonho estava comendo as 
			bananas e conversando com o irmão de minha amiga. Ouvi sua voz no 
			sonho e sentia o gosto das bananas. Ao fundo, no sonho, ouvia uma 
			canção de Roberto Carlos. Acho que enxergar é algo muito abstrato, 
			assim como Deus e alma."
			
			Ana - São Paulo SP
			
			"Ando sonhando com deslocamentos pelos espaços, tipo casas e ruas, 
			com vozes de pessoas, com sabores de alimentos, com coisas que me 
			assustam e me fazem acordar apavorado tipo ruídos ou sensações de 
			que pessoas que já haviam morrido estavam se encostando em mim."
			
			Eduardo, 17 anos, São Paulo SP
			
			"As vezes também sonho muito que estou me deslocando no espaço. As 
			vezes estou sonhando que preciso correr e não consigo e aí, em geral 
			estou de mãos dadas com alguém, a pessoa do meu lado corre e eu, por 
			não conseguir correr, vou voando."
			
			Simone
			
			"As vezes sonho com a traição, de meu namorado, sinto ele no sonho 
			me traindo com uma amiga dele. É tão real, ouço sua voz e sinto seu 
			cheiro e o cheiro dela. No sonho eles fazem barulho de quem está 
			fazendo amor. Geralmente acordo muito mal, acordo muitas vezes com 
			raiva, e me parece, mesmo na vida real, que fui traída de verdade. 
			Não consigo me desligar do sonho rapidamente. Fico as vezes um dia 
			todo mal com isto. É engraçado, fico de mal humor mesmo, e tenho que 
			me controlar para não brigar com a pessoa envolvida no sonho, caso a 
			encontre na rua."
			
			Ana, 23 anos, Belo Horizonte MG
			
			"As vezes sonho que estou em queda livre, caindo de uma grande 
			altura, outras vezes sonho que estou me afogando, acordo assustado, 
			com o coração batendo forte, com taquicardia e acordo gritando. 
			Tenho a impressão que o estrado da cama sumiu e mergulhei no espaço. 
			Geralmente quando sonho com o afogamento choro e transpiro muito. 
			Mas é engraçado pois não tenho na vida real medo de altura, nem de 
			água já que nado com freqüência."
			
			Marcos, Rio de Janeiro RJ
			
			Estes sonhos de cegos de nascença mostram nos o quanto a função 
			sensação é ativada na produção onírica, misturando se tanto com a 
			afetividade quanto com os Complexos ativados. Estes sonhos 
			geralmente misturam percepções táteis, audição, paladar e olfato 
			junto com o enredo do sonho. Surge por este meio a produção onírica 
			que trará como base a formação de percepção pela experiência 
			concreta de vida dos deficientes visuais, ou seja, a reprodução do 
			mundo pela percepção corporal.
			
			Mas uma indagação fica: Como uma pessoa que jamais enxergou pode 
			definir o que é uma imagem?
			
			Esta dúvida paira no ar, visto que o mecanismo do sonho é geralmente 
			visual. Frisamos contudo que a capacidade do deficiente visual de 
			formar imagens em seu cérebro, na maior parte dos casos está 
			intacta. A deficiência afeta geralmente os olhos e ou o nervo 
			óptico. Na verdade o que ocorre ao certo ainda estamos por 
			desvendar.
			
			5.2) Sonho de função intuição:
			
			Itamar (ao vivo na rádio), do Setor Bueno: "Eu também sou cego, mas 
			em meus sonhos eu enxergo normal. Só que dentro do próprio sonho eu 
			fico assim: gente, eu sou cego mas estou enxergando!...
			
			No sonho, fico preocupado com isso. Pô!, mas espera aí, a pessoa 
			aqui pensa que estou tapeando ela. Fico profundamente incomodado com 
			isto."
			
			Itamar, Goiânia GO
			
			"As vezes sonho que enxergo, eu conheci minha mulher em um sonho que 
			vi seu rosto. Imaginando ...será que é isto? Então por que quando as 
			pessoas falaram como ela era, eu a vi igualzinho no sonho?
			
			Antonio, Porto Alegre RS
			
			"Vou falar de algo muito curioso que acontecia comigo quando 
			criança. Antes porém, tenho que lhe informar: moro em Resende, 
			cidade do RJ,meu padrinho mora em Volta Redonda que fica cerca de 
			meia hora daqui. Bom, é curioso, mas sempre que sonhava com ele, ele 
			aparecia aqui em casa! Tinha vezes de eu mesma ao acordar, avisava a 
			minha mãe que meu padrinho estava vindo pra cá. E vinha mesmo. Hoje 
			em dia, acho que isso não ocorre mais. Ele também parou de vir aqui 
			devido a compromissos. Não vinha muito na época também, mas quando 
			vinha, era certo que na noite anterior eu havia tido um sonho com 
			ele. Devo dizer ainda, que tinha um ciúmes doentio dele com qualquer 
			mulher! é engraçado, parece que estou vendo as situações!
			
			Outra coisa, tenho noção de cores e vultos, mas não o suficiente 
			para me locomover sem a bengala. Enxerguei no passado. Quando eu 
			sonho, nunca estou com bengala e sempre sei da disposição de tudo, 
			mesmo que nunca tenha conhecido o lugar que sonho."
			
			Débora (Miau), RJ
			
			"Marcos (ao vivo na rádio): - sim quero contar uma experiência, este 
			sonho me impressionou muito. Bem eu sonhei que estava de frente para 
			o espelho, e nele eu via meu rosto, e estava fazendo minha barba. 
			Preciso dizer um detalhe eu sou cego de nascença, sou deficiente 
			visual, e nunca enxerguei. Quando acordei estava emocionado, pois 
			era a primeira vez que enxergava, e algo dentro de mim dizia: Está 
			vendo é assim que é enxergar...
			
			Bem eu acordei meio que aturdido, impressionado, com o sonho. Era a 
			primeira vez que eu via meu rosto no espelho."
			
			Marcos, Anápolis GO
			
			Existem várias descrições deste fenômeno. Cegos de nascença podem 
			sonhar que estão enxergando, bem como deficientes físicos podem 
			sonhar que estão andando, as pessoas comuns podem sonhar que estão 
			voando e assim por diante.
			
			Nosso cérebro tem uma função responsável por criar imagens, que está 
			muito presente no mundo dos sonhos. Nos sonhos não estamos 
			enxergando as coisas, nós não vemos nos sonhos, apenas reproduzimos 
			percepções que temos, mas o nosso cérebro pode montar as imagens 
			tanto pela capacidade inata que possui quanto por nosso instinto de 
			criatividade. Aqui surge um ponto de discussão ampla para a ciência, 
			que hoje em dia ampliamos.
			
			Estas imagens dependem ou não de um aprendizado prévio?
			
			Alguém pode ou não construir imagens sem nunca as ter visto?
			
			Nossa observação clínica mostra que independentemente de termos 
			visto algo, podemos criar sua imagem, somente a partir de uma 
			descrição e ou impressão sinestésica (física). Ou seja, podemos por 
			meio de nosso instinto de criatividade, de nossas fantasias, 
			imaginar lugares em que nunca estivemos, idealizar pessoas que nunca 
			vimos, e assim por diante. Esta capacidade é inata ao ser humano. E 
			o melhor disto tudo é que esta observação quebra em parte os 
			postulados de que a aprendizagem é fundamental aos processos 
			cognitivos da percepção. Nem sempre é o que observamos. As vezes 
			imaginamos algo completamente absurdo em que jamais tivemos contato.
			
			Soma-se a esta experiência a capacidade da função intuição que fica 
			mais aguçada na maior parte dos deficientes visuais. Assim alem da 
			criatividade, da fantasia surge o terceiro elemento que é a 
			Intuição. Em nossa experiência com os D.V.s percebemos que mais de 
			70% deles tem esta capacidade aguçada. Agora devemos salientar que 
			também existem os conflitos naturais que associam- se a maturação 
			desta função psicológica que precisará ser integrada a 
			personalidade.
			
			5.3) Sonhos arquetípicos de deficientes visuais
			
			Temas arquetípicos geralmente são encontrados nos sonhos dos 
			deficientes visuais: O herói, A morte, o bode-expiatório, a jornada, 
			a traição, e muitos outros. De acordo com a profundidade de cada 
			psiqué estarão refletidos tais temas, que surgirão de acordo com a 
			necessidade pessoal de cada indivíduo.
			
			Os sonhos com temas arquetípicos dos deficientes visuais vão 
			misturar - se justamente com aspectos da função Intuição, trazendo 
			percepções extra-sensoriais (acima dos 5 sentidos), premonições e 
			contato apurado com o sagrado e com a essência de cada ser humano. 
			Assim remontam aspectos que transcendem tempo e espaço, culturas e 
			sociedades, um mergulho profundo na essência da psiqué da 
			humanidade.
			
			A quinta função -chamada de Transcendente- aqui então se fará 
			presente unificando e dando sentido a esta experiência por meio de 
			um paradoxo: apurando a capacidade de ver de quem não enxerga. Traz 
			assim novamente o questionamento encontrado no sentido da própria 
			palavra Deficiente- o ato de provocar resultados. Resumindo: 
			"Transcende-me ou devoro-te..."
			
			
			Jorge Antônio Monteiro de Lima é pesquisador em saúde mental, 
			Psicólogo e musico Consultor de Recursos Humanos Consultoria para 
			projetos de acessibilidade para pessoas com necessidades especiais 
			email: contato@olhosalma.com.br - site:www.olhosalma.com.br