As Relações Afetivas e a Intimidade
Por Sirley Bittú
16/09/2002
O que é ser íntimo de alguém? Temos pessoas com quem convivemos todo
o tempo, colegas de trabalho ou mesmo familiares, que pouco sabem de
nossas angústias, medos, desejos e alegrias.
Intimidade é diferente de convivência, conviver não é sinônimo de
ser íntimo , apesar de muitos acreditarem nisso. Também é diferente
de mistura, de simbiose. Não é possível ser íntimo de alguém se não
houver individualidade. Primeiro ser, para depois compartilhar. Não
se compartilha o que não se tem.
Nascemos do aconchego do útero materno, da sensação de segurança que
ele nos proporciona. Naturalmente desejamos nos relacionar, somos
seres sociais, nascemos carentes de afeto, atenção e aceitação. O
ser humano tem uma demanda de amor, busca amar e ser amado todo o
tempo. Nascemos e imediatamente precisamos de afeto para nosso
processo de crescimento emocional, da mesma forma que precisamos de
cuidados para nos desenvolvermos fisicamente. Recebemos da figura
materna o amor incondicional, aquele tão buscado em nossa vida: ser
amado pelo que somos, o pacote completo.
E o que isso significa? Significa que buscamos em nossas relações,
na maioria das vezes de forma inconsciente, essa sensação primária
de plenitude e segurança, refletida em maior grau nas relações de
intimidade.
Intimidade é a possibilidade de relação mais próxima que implica em
confiança. Confiar significa acreditar que seremos aceitos como
somos, mas, não apenas pelo outro; para isso é preciso confiarmos em
nós mesmos, em nossa capacidade de sermos genuínos, percebendo o que
temos para oferecer numa relação tranqüila e prazerosa com o mundo.
Contudo, é necessário o sentimento de esperança e fé no bom que
existe no humano. Confiança se adquire através das relações e pela
forma de relação que se estabelece, é um sentimento delicado e
dinâmico, ela é como planta: se não regar morre.
Intimidade também implica em entrega. É uma via de mão dupla, ser
íntimo é ser cúmplice, é estar ao lado do outro e não misturado ao
outro. Trata-se de uma proposta de relação mais profunda, que
implica em envolver-se, doar-se e saber receber o outro, aceitar e
aceitar-se, é troca plena, é Encontro no sentido Moreniano.*
Você pode ser íntimo de um amigo com quem conversa sobre varias
coisas e não ser íntimo da pessoa com quem você dorme. Os medos,
crenças e as inseguranças são os grandes responsáveis pelas
dificuldades de envolvimento. Algumas pessoas confundem intimidade
com submissão, alienação e mistura, outras entendem como fraqueza,
falta de individualidade ou demonstração de carência.
Nossa sociedade competitiva, capitalista e violenta, torna as
pessoas cada vez mais acuadas e descrentes no humano e
consequentemente em si próprias. O medo e a competição, fazem com
que as pessoas se relacionem apenas com parte do outro - àquela que
deseja superar – o que impede que a relação seja verdadeira.
Geralmente quando pergunto: porque não assumir que é uma dificuldade
sua? ... a resposta é na maioria das vezes: ...eu??? falar de dores,
limites, angústias... para que? Vou estar só me expondo! Ninguém vai
resolver minhas questões!.
Em parte é verdade, nossas dificuldades, na grande maioria das vezes
só podem ser resolvidas por nós mesmos, mas nem sempre temos os
instrumentos ou conhecemos os caminhos para resolve-las, aí que
entra o outro, com sua vivência e experiência de vida.
V. já pensou se cada um tivesse que reinventar a escrita e a palavra
sozinho, para poder se comunicar???... imaginem.. e se não tivesse
ninguém disposto a aprender, só a ensinar??? Quanta perda de
tempo!!!
Quando nos relacionamos percebemos que não estamos sós, não somos os
únicos a ter dificuldades e sofrimentos; temos a capacidade de
aprender com nossos erros e acertos e com os erros e acertos dos
outros. Por isso que a relação de intimidade deve ser cultivada,
escolhida a dedo. Faz parte de nosso desenvolvimento emocional
aprender a escolher entre as pessoas de nosso convívio, aquelas que
merecem nossa confiança, ou seja trata-se de uma questão de auto
proteção, da capacidade de aprender a cuidar de si mesmo.
Ser íntimo significa compartilhar tudo? Dizer tudo, o que pensa e
sente? até os pensamentos? Se pensamentos fossem para ser ouvidos
eles aconteceriam em alto e bom som!
Você deve estar pensando, mas então eu não deveria compartilhar
minhas idéias, sentimentos e pensamentos? É claro que sim!, mas
escolhendo com quem e o que compartilhar, nem sempre o outro agüenta
ou está preparado para o que estamos pensando ou desejando.
Aqui retornamos na questão da individualidade. Costumo brincar
dizendo que, até dentro do útero materno temos a proteção de uma
bolsa, sabiamente colocada pela natureza. Na verdade nascemos
concretamente de dentro de outra pessoa, mas não ficamos fisicamente
em nenhum momento misturados ao outro, apenas emocionalmente. Talvez
seja por isso que é tão comum a confusão entre capacidade de se
envolver intimamente e a mistura relacional.
Segundo a visão de desenvolvimento humano proposto por J.L. Moreno,
criador do Psicodrama, a Matriz de Identidade emocional normal se
estabelece a partir das relações que o indivíduo faz. Através de
nossas vivências caminhamos de um momento de total Indiferenciação
com o mundo (nascimento) para uma relação télica e plena onde seja
possível trocar de lugar com o outro entendendo suas motivações
pelos seus olhos (maturidade emocional), sem com isso, desrespeitar
nossas crenças, valores, e individualidade. Moreno chamou o ápice
dessa fase de Encontro, onde podemos novamente- lembrando nosso
nascimento - nos misturar com o outro, sem nos perdermos – porque
agora existe um eu delimitado - e sair revitalizados, enriquecidos.
Seria o ponto máximo de diferenciação de identidade.
Cada pessoa tem suas motivações, resultado de sua história de vida e
sua educação, somada às suas características inatas. A saúde
emocional e mental de cada indivíduo é que determina como cada um
vai suprir essas necessidades. Esta saúde interna se desenvolve como
resultado de um processo de maturação do indivíduo, e obedece uma
seqüência de desenvolvimento humano, segundo a teoria do
desenvolvimento Moreniana.
Para nos envolvermos em qualquer tipo de relação, seja uma relação
de amizade, profissional, amorosa ou simplesmente social, primeiro
temos que conhecer nossa individualidade e o que significa um mínimo
de noção de nossos desejos, características, medos, dificuldades e
gostos; enfim, um pouco de nossa singularidade. Falei em mínimo,
porque trata-se de uma busca de AUTOCONHECIMENTO que acontece
durante nossa vida. Não acredito que alguém possa esgotar esse
processo, porque somos seres dinâmicos e estamos aprendendo e
consequentemente em transformação todo o tempo.
A maturidade enriquece e modifica.
Portanto para que você possa construir uma relação de intimidade com
alguém deve estar atento a esse processo de busca de si mesmo, à sua
capacidade para amar e principalmente, para sentir-se amado.
Psicodramatista Didata Supervisora
Terapeuta em EMDR pelo EMDR Institute/EUA
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Email: sirley.regina@terra.com.br