Procrastinar - por quê?
Por Suyen Miranda
16/05/2008

Só descobri que existia a palavra procrastinar quando estudava inglês, lá pelos idos do segundo grau. Era num ponto novo do livro de compreensão de texto, onde se lia o verbo to procrastinate. Fui buscar a tradução e li: “procrastinar”. Precisei de mais tradução, e o meu dicionário de bolso simplesinho não deu conta do recado. Fui ver no Aurélio e lá entendi rapidamente do que se tratava: algo que fazia parte da minha vida. Lá está: procrastinar – deixar para depois, postergar, adiar.

O sentido da palavra me passou um certo desconforto. Diferente de adiar – que pode ser explicado por fatores lógicos – procrastinar pareceu-me como “enrolar”. Na época, eu enrolava o mais que podia quando se tratava de entregar trabalho escolar – havia a possibilidade de o professor vir a “esquecer” que tinha pedido um trabalho. Detalhe: isso às vezes acontecia. Daí, procrastinar passou, para mim, a ser menos ruim do que parecia. Poderia até trazer vantagens, quem sabe?

Esse esquecimento dos professores quanto a trabalhos escolares serviram para mim como exemplos. Exemplos ruins, é verdade, mas exemplos do que não se deve fazer e menos ainda com crianças. Como querer que um indivíduo tenha noções de limite “esquecendo” de cobrar tarefas que tem um valor? São esses esquecimentos que fortalecem o conceito de procrastinação – pois o procrastinador pensa secretamente que alguém acabará por esquecer o que foi pedido ou sugerido, ou seja, a promessa feita, a decisão, o comprometimento.

Uso esse exemplo para explicar – ou melhor, buscar a explicação – da extensão da procrastinação. Que hoje tem se tornado comum, às vezes até demais. Deixar para depois, postergar, adiar, empurrar com a barriga, atitudes que em nada contribuem para o progresso e desenvolvimento do que quer que seja – de um novo projeto a uma declaração de amor. Mas o que mais dói é ver que a procrastinação por vezes se torna crônica. “Podemos dar conta disso amanhã”. “Vamos consertar esse problema logo, com certeza”. “Num prazo inferior a dois semestres teremos um grande crescimento, a partir desta nova política que será incorporada nos próximos meses” – esse último um primor de enrolação. E as pessoas que assim o fazem repetem esse discurso para qualquer coisa.

Hoje vejo muita gente se queixar da situação econômica. Grande novidade! E nessas mesmas pessoas reparo um comportamento constante introjetado de procrastinação. Do tipo: “com este governo é assim mesmo, vamos esperar e observar o rumo que as coisas vão tomar” (os objetos tem vida própria, de acordo com esse pensamento).

Um pouco além ouço a seguinte comparação: “se nós tivéssemos o perfil dos europeus (ou dos americanos, dos asiáticos, etc) estaríamos num momento de progresso, porque eles dão duro e agüentaram guerras, crises, carestias, e venceram tudo isso; como nunca tivemos uma guerra, não sabemos dar valor”. Como se o sofrimento fosse a solução óbvia para o aprendizado de toda uma população – se verdade, a África seria uma ilha de excelência em qualidade de vida, correto?

A palavra chave para vencer esta síndrome do adiamento, do “país do futuro”, da procrastinação está no presente. No agora. No fazer, mesmo que se faça até errado, mas uma ação, um direcionamento. Aguardar, viver em compasso de espera, deixando para mais tarde, é prolongar o estado inerte, a paralisia. É preciso movimentar, mexer, buscar reações.

Procrastinar hoje em dia é dar um tiro no pé, é ferir a si mesmo, prejudicar a própria vida, a carreira, as relações. Usar dela para fugir do risco é a temeridade. O resultado desta atitude retrógrada me lembra uma célebre peça de Jean Paul Sartre, “ Entre Quatro Paredes”, escrita em 1944. A ação se passa num único ambiente, uma sala com poucos móveis. Três personagens são conduzidos até lá: Garcin, um jovem talento do mercado de capitais, Estelle, uma burguesa rica, e Inês, uma jovem excêntrica. Ao longo do texto descobre-se que os três estão mortos e a sala nada mais é do que um aposento do inferno. Um inferno diferente, sem fornalhas, espetos, demônios, sessões de tortura; um inferno civilizado, num ambiente decorado com estilo sóbrio e elegante. As luzes não se apagam porque não existem dias nem noites. Não há mudança, nem riscos, somente a presença certa e segura dos três personagens que, enquanto tentam conviver com a óbvia incompatibilidade irritante e sem remédio, vivem olhando o passado, procurando desculpas para seus pecados. Certamente, não é isso que queremos para viver, não acha?


Suyen Miranda é publicitária, jornalista, consultora em qualidade de vida, pesquisa o comportamento humano nas sociedades e realiza palestras motivacionais, treinamentos comportamentais e coaching, com experiência internacional. Mais detalhes no site www.suyenmiranda.com.