A Nova Natureza da Competitividade
Por Bruno Soalheiro
05/06/2008
Este artigo é parte de um texto maior que estou escrevendo
especialmente para os jovens que estão às portas do mercado de
trabalho e se sentem ainda inseguros, sem entender muito bem a
complexa natureza dos processos e regras que regem sua sobrevivência
aqui fora.
O objetivo é dar uma visão ampla do cenário competitivo que existe
hoje, procurando explicá-lo a partir de comparações com a própria
natureza da vida, oferecendo assim uma reflexão que, mais do que
apontar caminhos, permita ao leitor entender o contexto e decidir
sobre seus próprios passos.
O artigo é dividido em duas partes, e recomendo a leitura completa
para um melhor entendimento. Eis a primeira:
O Óbvio
Considerando que você busca o sucesso em um mundo dominado por
organizações de todos os portes e tipos, e que toda a nossa
sociedade funciona e se organiza a partir do que estas organizações
fazem e produzem, você há de concordar que é no mínimo razoável
entender - ao menos de maneira geral - como elas funcionam e o que
buscam. De fato, é quase imprescindível que qualquer profissional
entenda isso hoje em dia, para saber melhor como trabalhar com elas
e mais, para entender com pode competir da melhor forma!
Atente para o seguinte: Organizações são, em última instância,
pessoas. Nada mais simples, nada mais complicado. E se pensarmos
bem, tudo que se faz neste mundo é feito por pessoas, e para
pessoas; tudo começa e acaba em pessoas. Então, quando pensar em
organizações lembre-se: Você está pensando em pessoas.
Organizações também são, logicamente, organismos, como o próprio
nome já indica. E como qualquer outro organismo elas existem em um
determinado ambiente e procuram sempre a melhor maneira de
sobreviver nele.
A capacidade de sobreviver ou não vai depender da organização
conseguir desenvolver as competências necessárias para atuar em seu
ambiente de forma a se adaptar a ele da melhor maneira possível, de
preferência vencendo as organizações concorrentes. E se
considerarmos que organizações são como pessoas, quando falamos em
competências da organização estamos falando em competências das
pessoas.
Não podemos deixar de notar também, é claro, que pessoas são
organismos. Logo, assim como as organizações, você é um organismo
que vive em um determinado ambiente e busca a melhor maneira de se
adaptar a ele para sobreviver, de preferência vencendo os organismos
concorrentes, - especialmente no mundo do trabalho.
Eu sei que tudo isto pode parecer muito óbvio e até mesmo lembrar
suas aulas de biologia, mas muitas vezes o óbvio é o mais difícil de
ser percebido, assim como o simples pode ser o mais complicado de
ser feito. E nesse caso específico penso que discutir o óbvio pode
nos ajudar a entender as organizações de maneira um pouco mais
simples.
Competição: causa e conseqüência
Neste planeta, todos sabem, temos organismos e organismos, cada um
com suas características e peculiaridades. Desde os primeiros
organismos unicelulares nos primórdios da vida, até o surgimento do
complexo e impressionante homem contemporâneo, a natureza tem
alcançado enorme diversificação por meio da luta dos competidores em
busca da sobrevivência.
No caso das empresas modernas, por exemplo, podemos dizer que em sua
maioria são organismos grandes e relativamente complexos, compostos
a partir da organização de vários organismos menores - mas nem por
isso pouco complexos - que somos nós.
Levando em conta as observações acima, quero compartilhar uma
opinião interessante com você: A de que os princípios e regras que
regem a sobrevivência das empresas são, em geral, os mesmos
princípios e regras que regem a “sua” sobrevivência e a de outros
organismos.
Quando passamos a pensar assim fica mais fácil entender um pouco a
natureza das organizações, porque na verdade é exatamente a “nossa”
natureza.
Pense um pouco e você verá que a mesma guerra que elas enfrentam
diariamente em busca de competências, vantagens, lucro e clientes, é
a que “você”, como profissional enfrenta -ou deveria enfrentar-
diariamente em busca de competências, vantagens, lucro e clientes.
Esta é a competição!
E é claro, a competição por aqui começou muito tempo antes de
existirem as empresas, até mesmo antes de surgir o homem como o
conhecemos. É a competição biológica, que foi selecionando as
espécies segundo aquelas mais adaptáveis até chegarmos à extrema
variação que temos hoje, em que predominam as que encontraram formas
mais adequadas de sobreviver - e “por isso” continuam existindo.
Com o aparecimento do homo sapiens- alguns milhões de anos depois
dos primeiros organismos - logicamente a competição continuou, e
pode ser vista se manifestando até hoje em diversas esferas de nossa
existência, todos os dias e por todos os lados.
Podemos ver, por exemplo, a competição que existe nos jogos, desde a
Grécia antiga, e que se pratica até hoje em acontecimentos que
mobilizam o planeta inteiro. Os eventos nos quais milhares de
pessoas se reúnem em torno de atletas, organizam-se em torcidas e
vibram efusivamente com isso são um exemplo de como competir está na
própria razão de ser do homem desde tempos remotos.
Existe também a competição política, que teve em Machiavel - aquele
que escreveu O príncipe, e inspirou o termo “maquiavélico” - um de
seus teóricos exponenciais, com colocações muitas vezes estratégicas
e dominadoras a respeito da busca pelo poder.
A competição no âmbito político é, igualmente, algo que presenciamos
no dia a dia, através de organizações partidárias que contam com
membros muitas vezes altamente devotados e quase fanáticos,
políticos com estratégias nem sempre louváveis, e eventos de grande
mobilização social, como as eleições que acontecem de tempos em
tempos.
Temos ainda a competição militar, observada ao longo de toda a
trajetória do homem, e que foi inclusive o meio no qual nasceu
grande parte da abordagem competitiva e estratégica que as empresas
utilizam hoje. Inclusive, muitos termos utilizados pelas empresas
tem clara origem no meio bélico, e muitos dos competidores mais
reverenciados pela história, entre eles “Alexandre, o grande”, e
“Sun-Tzu”, foram grandes generais.
De um leão na savana em busca de alimento até uma multinacional
disputando uma fatia de mercado, de duas crianças aprendendo a jogar
até nações guerreando por algum benefício para seu povo, o ato de
competir parece estar na gênese dos relacionamentos humanos e da
evolução de todos os organismos que se conhece.
O que isto tem a ver com sua inserção no mercado hoje? É o que vamos
ver na segunda parte.
Competindo no século XX
Vimos que a competição é parte inerente do ser humano e das demais
formas de vida neste planeta, e se faz presente desde que o mundo
existe.
Mas se por um lado a competição está aí desde sempre, por outro, o
ambiente das grandes organizações e dos produtos e serviços em massa
que conhecemos hoje não é algo que exista há tanto tempo.
O grande movimento do homem que veio culminar no cenário globalizado
e altamente competitivo da atualidade, com as organizações
multinacionais e os negócios virtuais, tomou formas mais agressivas
a partir da revolução industrial, em um período que se estendeu
aproximadamente de 1830 a 1890.
Aquele foi um tempo de certa forma tão eufórico para as pessoas da
época quanto é para nós a descoberta de estarmos vivendo em um
ambiente ultra-tecnológico. Com o advento da industrialização,
começaram a surgir novidades que causaram grande impacto na vida de
todos, trazendo comodidades até então nunca imaginadas.
As organizações empresariais nasciam!
Estes novos e gigantes organismos aparecem pela primeira vez na face
da terra e logo começam a se alastrar pelo planeta em busca de muito
mais do que simplesmente sobreviver.
Recordemos por mais um instante nossas aulas de biologia e nos
lembraremos de que a partir do momento em que o número de organismos
que disputam um mesmo recurso no mesmo ambiente (leia-se: empresas
concorrendo pelos mesmos segmentos e mercados), passa a aumentar
demais, a disputa se torna mais acirrada e estes organismos passam a
ter que desenvolver cada vez mais rápido novas formas de garantir
sua sobrevivência.
As empresas vieram e, conforme foram se espalhando, sua inteligência
e produtividade aumentou, seus meios de crescer, ou seja, os
produtos e serviços que oferecem, foram se diversificando, e por
volta da segunda década do século vinte já havia por aqui um enorme
número delas, como as conhecemos hoje, atuando em diversos
segmentos, e é claro, muitas competindo pelos mesmos mercados.
A corrida se acelerava!
No entanto, ainda estamos falando do início do século vinte, e
embora já naquela época o mundo estivesse passando por
transformações impressionantes e o número de empresas aumentasse
assustadoramente, estas transformações nem se comparam à realidade
que temos hoje.
Se naquele tempo o elemento mais evidente no ambiente das empresas
já era a mudança - como sempre foi no mundo- hoje podemos dizer que
este elemento é a mudança constante em ritmo alucinado. E é isso que
tem feito com que a competitividade de determinados organismos deste
planeta, especialmente as organizações empresariais, assumam formas
completamente novas e extraordinárias.
Efetividade operacional
Se você tiver TV por assinatura em casa e puder dispor de um destes
canais que mostram a vida dos animas selvagens na áfrica, permita-se
um dia assistir ao estonteante espetáculo de um leopardo caçando. O
leopardo é um exemplo de organismo altamente evoluído e que dispõe
de competências extremamente adequadas para a sobrevivência em seu
meio.
Diferentemente de alguns outros animais e felinos, o leopardo não
monta um esquema complexo para pegar sua presa de emboscada. Ele
apenas localiza o seu alvo, prepara-se para agir e parte como um
raio em sua direção. Quanto mais rápido e mais eficientemente ele
correr, mais chance terá de atingir seu objetivo.
De fato, cada parte de seu organismo foi projetada para isso. Seu
coração tem o tamanho necessário para bombear a quantidade de sangue
que permita uma disparada veloz, suas pernas são fortes o suficiente
para sustentar seu corpo em terrenos irregulares, e sua longa cauda
é ideal para que possa manter o equilíbrio em curvas de alta
velocidade.
Seu esqueleto, seus instintos, seus órgãos, seus procedimentos, suas
atitudes, tudo está magnificamente organizado e orquestrado para que
ele possa chegar a seu alvo da melhor e mais rápida maneira
possível, no menor tempo possível e com o mínimo gasto de energia
possível.
Esta é sua maneira de competir.
Da mesma forma, podemos dizer que efetividade operacional é a
capacidade que uma empresa (ou alguém) tem de produzir um
determinado produto ou entregar um determinado serviço ao
consumidor, da melhor e mais rápida maneira possível, no menor tempo
possível e com o mínimo gasto de energia possível.
É uma lógica semelhante à do leopardo.
O motivo pelo qual busquei uma metáfora através deste organismo para
dar o exemplo é por ser o leopardo um animal que fascina muitas
pessoas e, principalmente, por ser mais possível de “apreender” do
que a totalidade de uma organização empresarial. Entretanto,
guardadas as devidas proporções, diferenças de complexidade e
habitat, pode-se dizer que os princípios de sobrevivência são os
mesmos.
No caso das empresas (e das pessoas) a regra é clara: Se eu puder
fazer o que você faz, porém mais rápido, mas com a mesma qualidade,
ou mais qualidade ainda, em maior quantidade, e com um custo menor,
eu ganho!
Se eu fizer com o mesmo custo e mais qualidade, e com um tempo
igual, eu também tenho muitas chances de ganhar, pois poderei vender
mais caro. Ou como gostam de dizer os especialistas, com maior valor
agregado.
Agora, se eu conseguir fazer com menor custo, mais qualidade, mais
rápido, e ainda desenvolver melhor meus canais de venda, certamente
irei alcançar uma vantagem considerável em relação a meus
concorrentes neste ambiente.
Enfim, quem se organizar melhor, dominar melhor o processo e
gerenciar mais efetivamente os recursos sai ganhando, este é o
mecanismo da efetividade operacional. É fazer rápido, com extrema
qualidade, baixo custo e muita organização.
O uso deste mecanismo sempre foi uma maneira eficaz e inteligente de
se competir para diversos organismos deste planeta, inclusive as
empresas.
Estratégia
Ainda embarcando em metáforas animalescas, gostaria de sugerir que,
quando tiver oportunidade, assista a uma alcatéia de lobos caçando.
Fiz isso uma vez e fiquei realmente aturdido. É desconcertante para
um ser humano -que se julga muito sabedor das coisas- observar o
desenrolar de uma caçada destas.
O processo é altamente complexo, e envolve desde “estudos
preliminares” até comunicações específicas para determinar a
localização do alvo e sua possibilidade de ser alcançado. Ao
contrário do leopardo, que caça sozinho, determina um objetivo e
parte em desabalada carreira, o grupo de lobos faz um interessante
planejamento para alcançar seu alvo.
Seu ponto forte não é a velocidade, não são os músculos, nem mesmo a
capacidade de fazer curvas íngremes. É a estratégia. Todos os
recursos que utilizam em uma caçada são estrategicamente elaborados.
O lobo estuda o ambiente, e age muitas vezes de forma inusitada e
surpreendente.
Geralmente o bando identifica um alvo, que é escolhido por sua
importância estratégica (algum animal ferido ou mais velho), e a
partir daí se organizam e começam a cercar a manada, ou o animal.
Quando atacam outros grupos, o objetivo é fazer com que o alvo se
perca dos demais; quando atacam um animal sozinho, o objetivo é
conduzi-lo até um local em que outro lobo possa pegá-lo de surpresa.
Para realizar tal proeza os lobos se utilizam de recursos
comunicativos bastante avançados, como uivos, vocalizações, rugidos
e ladridos específicos. Uma alcatéia caçando é um belo exemplo de
atuação organizacional baseada na observação do ambiente e na
elaboração de estratégias em tempo real.
Mas isto não significa que o lobo não seja operacionalmente efetivo,
e sim que ele constrói sua forma de competir e sobreviver muito mais
através de estratégias do que o leopardo, e que sua efetividade
operacional na verdade se faz subjacente a esta estratégia. Pra que
correr muito se você pode “armar um esquema” para chegar a seu alvo
da maneira mais inteligente possível?
A estratégia também sempre foi uma maneira eficaz e inteligente de
se competir para diversos organismos deste planeta, inclusive...
Hã, de novo: mas o que isso tem a ver com você?
Absolutamente tudo!
Afinal, como é que você vai competir? Através de estratégias ou de
efetividade operacional? Aceita uma sugestão? Das duas maneiras!
Porque é exatamente o que as empresas têm feito.
Se você procurar na literatura sobre administração irá perceber que
desde que surgiram as empresas modernas tem revezado entre focar sua
atuação mais em estratégia ou mais em efetividade operacional,
dependendo do contexto econômico.
Isso até algum tempo atrás, porque a concorrência global de agora
tem forçado as organizações praticamente a “assobiar e chupar cana”
ao mesmo tempo.
Não dá para ou fazer melhor, ou fazer diferente, é preciso fazer
melhor “e” diferente. Assim são as empresas mais competitivas, e
assim são os melhores profissionais.
Note que estratégia tem a ver com observar e escolher, criar e
inovar. É olhar para o ambiente e procurar as oportunidades de
acontecer de forma diferente.
Já a efetividade operacional tem a ver com organizar-se e
aperfeiçoar-se, melhorando o que está criado. É olhar para dentro e
descobrir o que pode ser aprimorado nos processos que você
desempenha.
São duas formas diferentes de se competir, mas complementares. E não
é questão de qual das duas é melhor, as duas são necessárias!
Ser operacionalmente efetivo pode significar fazer o que geralmente
se faz em sua área de atuação - serviços executados da mesma forma,
produtos iguais - porém melhor, com mais qualidade, mais organização
e menos custo do que seus concorrentes.
Ser estratégico significa tentar sempre fazer novas coisas, ou fazer
as mesmas coisas de maneira diferente dos concorrentes. Pode ser
descobrir uma nova área de aplicação para um conhecimento, ou mesmo
“criar” um novo tipo de conhecimento para responder à realidade do
ambiente.
O futebol, que é uma forma de competição altamente valorizada em
nosso país, nos dá facilmente um exemplo destas duas maneiras de se
atuar.
Há jogadores que tem excelente forma física, executam muito bem seus
passes, sabem chutar com precisão e estão sempre bem posicionados,
mas que não costumam ser muito criativos em suas jogadas.
Por outro lado, há aqueles que, apesar de não correr tanto, errar
alguns passes, atrasarem para chegar até a bola e nem sempre
chutarem certeiro, têm uma “visão de jogo” que sempre os permite
criar lances inesperados e quase geniais.
E claro, além destes, há os que fazem as duas coisas ao mesmo tempo.
Que tipo você acha que está na seleção?
Faça melhor, e faça diferente!
Bruno Soalheiro é Psicólogo, palestrante e consultor em
desenvolvimento humano.